quarta-feira, 5 de novembro de 2008

"Reminiscências de uma não-dona de casa" ou "Manifesto de uma vagal convicta"


Espero que minha mãe não leia este texto. Não que me falte coragem de assumir minha condição para a pessoa que me criou. Não se trata disso. Ela até se auto-intitula responsável pela minha completa falta de jeito para as coisas domésticas. Só não aguentaria ver a tal condição desfraldada a quatro ventos e alguém ainda cogitando que ela não me educou direito. Toda a teoria e prática das ciências domésticas me foram repassadas. Mas paradoxalmente dizia revoltada "Quando você crescer não vai ser como eu, vai trabalhar, não vai ficar limpando casa". Não lembro de nada disso, ela é quem lembra. Se interiorizei esta mensagem ou se já carregava no meu DNA, eu não sei. Só sei que desde que me conheço por gente tenho um sofrimento quase ancestral quando boto as mãos numa louça. Cada tarefa levava horas intermináveis com tantas interrupções, tantas divagações, idas para o banheiro, olhadas na tevê ligada, e o bordão da minha mãe martelando na minha orelha "Ainda não terminou?"Eram e ainda são projetos fadados ao fracasso. Ainda hoje qualquer serviço doméstico começado não tem garantias de que será terminado. E para passar por eles sem traumas crio sistemas malucos como lavar de dez em dez, começar de baixo para cima e vice-versa, fazer por empreitada durante os intervalos na tevê ou entre cada capítulo de um livro, separar por categoria, e por aí vai. Teve uma ocasião que quase encontrei um método bom de levar adiante um serviço:fazê-lo ouvindo um áudio-book. O problema é que a atenção fica voltada para o enredo da história e não para o que minhas mãos estão fazendo...
Dizendo assim parece que a canhestrice doméstica é inconsciente. Não é. Não faço e não me submeto a fazer quando o esperado de mim é para que eu faça. Claro que em situações coletivas sou solidária e colaboro na limpeza. Mas quando o coletivo já vem viciado, já estão lá os homens na rodinha do futebol e as mulheres se cotizando para a lavação e a arrumação, estou fora. É sempre a mesma cena muito deprimente. Por mais que os homens estejam de boa vontade para qualquer coisa, eles não se ligam nunca que uma hora têm que arregaçar as mangas. Meio que inconscientemente as mulheres vão se organizando e em pouco tempo está tudo arrumado e limpo, sem que eles notem. Lastimável. Alguém poderia otimistamente exaltar a capacidade agregadora, acolhedora e solidária da mulherada. Morra seu alienado!!! Tem dó não de sua mãe e irmãs?
Mesmo que homens e mulheres interajam no mesmo espaço, divertindo, trabalhando, etc, ao final do dia podicrê, vai ter uma coitada que vai arrumar tudo...
Não estou defendendo a instituição da bagunça total e sem limites. Só gostaria que os olhos se abrissem para a imposição tautológica de papéis. Esta lenga-lenga que estou dizendo já é velha, bem sei, mas se não fosse necessária ainda não estaríamos repetindo tantas e tantas vezes, não é?

4 comentários:

Janaína disse...

É, concordo que a coisa vai de mal desde que as mulheres resolveram pegar o primeiro copo pra lavar. Seria este copo de pedra lascada?
Já me ocorreu dar uma mãozinha pra uma amiga e ouvir o marido dizer: _ Deixa aí, depois a gente limpa!
Será que limpa mesmo? Na dúvida, acabei dando a minha pequena contribuição para que aquela zona toda não sobrasse pra coitada.
Mas isso é coisa de mulherzinha. Se eu fosse mais porreta (e se estivesse na minha casa) daria um grito de independência e colocaria a homarada pra ralar a barriga na pia lá de casa depois das nossas já conhecidas festinhas regadas a breja e caldos (que aliás sujam uma pá de louça!)

crisim disse...

Dei a idéia uma vez de "cada um lava sua louça", leia-se "homens, mulheres e crianças", no Natal na casa da minha avó. Fui voto vencido, e tudo rolou no esquema velho...A revolução foi abortada antes mesmo de nascer...

Próxima festinha Janaína, a gente podia bolar algo assim: os homens dão conta dos comes e de tudo que for infra de festa e nós ficamos na flauta. Que tal?

Ou então, em cada festa só liberamos as visitas se elas lavarem uma louça qualquer que seja. Obviamente a gente avisa o esquema durante e não antes.Dá de não ter quórum por causa disso... Será que perderíamos amigos por causa disso?

Bruna Guerreiro disse...

égua, o pior é que é assim mesmo. aqui em casa o Emerson faz muitas coisas, muitas mesmo. Mas faz porque eu peço e delego. Porque os homens não pensam nas coisas que precisam ser feitas. então mesmo quando a gente consegue delegar, a verdade é que é só na cabeça de mulher que tem essa lista de tarefas. Como se a gente gostasse disso, pfff....

Anônimo disse...

Na condição do primeiro homem a defender aqui nossos hábitos higiênicos e organização, me disponho a dizer que se não fosse pela namorada independente que tenho, eu estaria sim na beira da pia lavando a louça, sem a necessidade de uma chamada de atenção, a qual sempre evito. De fato, o lado ruim desta é quando se conta com a presença da diarista e ela não vem! rs