domingo, 29 de março de 2009

Alfarrabistas da língua em crise


Com a cacholinha no ócio, nova entidade acabou aparecendo nela...
Para aqueles que adoram livros velhos, grafias ultrapassadas, se emocionam ao ver uma capitular floreada, incrementam o vocabulário passivo com novas-velhas palavrinhas e palavrões pescados num livro antigo, não se intimidam quando o livro em mãos está em "português de Portugal" (ó pá!). Velharias venham que estou sempre facinha para vocês!

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E por falar em velharia...Ai que saudades do meu português...
Meu desconforto com a nova reforma ortográfica é latente. Não só porque tenho que reaprender o que levei anos para absorver ao longo da minha humilde trajetória de falante e pensante nesta língua querida. Tem que conformar todo o meu ser pretensamente barroco a uma suposta simplificação. Suposta porque se fosse para simplificar todos os acentos deveriam cair, despencar, arriar, sucumbir, escafeder, morrer definitivamente.

Não sou contra mudanças. Não! A língua segue uma dinâmica do uso e pouco a pouco algumas coisas vão se perdendo pelo caminho. Tem uma dinâmica própria e a escrita deve seguir atrelada ao uso. O movimento contrário a esta lógica para mim é usurpação dos lingüistas enchedores de lingüiça. Sei lá, uma necessidade tecnocrata de mostrar trabalho.

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Faço minhas as palavras do poeta Glauco Mattoso no texto que ele escreveu para o site Cronópios:

O orphanato inglez e o asylo portuguez

De Glauco Mattoso para o Cronópios

 

 

Outro dia um amigo me criticava pelo quixotismo de defender sozinho a "velha" orthographia. Respondi que as reacções collectivas começam assim, pela iniciativa isolada de algum inconformado, ao qual os demais vão adherindo. E comparei minha attitude ao que acontece na língua ingleza. Elles não reformaram a orthographia e não se preoccupam com o desapparecimento do "PH", mas a universidade de Oxford quer evitar que certas palavras caiam em desuso e sumam do vocabulario fallado ou escripto. Para isso foi creado um sitio chamado "Save the Words" (savethewords.org), que estimula o emprego de palavras em risco de extincção. Elles rastreiam a rede para detectar vocabulos que, de tão raros, nem são reconhecidos pelos correctores orthographicos dos programmas de edição digital. Depois de seleccionadas pelos lexicographos, as palavras "esquecidas" são colladas no sitio, donde berram em audio para que os internautas as adoptem, como si fossem creanças desamparadas. Quem decide adoptar uma dellas tem que se registrar no sitio e se comprometter a utilizal-a, tanto nas conversas quanto na correspondencia. O sitio até emitte um certificado de adopção para cada voluntario.

 

 

 

Ora, por que não crearmos, em portuguez, um sitio que estimule o emprego da orthographia etymologica? Afinal, si os latinistas cultivam uma lingua "morta", ou os esperantistas uma lingua "artificial", por que não reconhecermos que o cultivo duma escripta "archaica" pode ter sua importancia cultural, que vae muito alem da simples rebeldia individual dum poeta cego?

 

 

 

Sciente estou de que poucos têm accesso às fontes de referencia prequarentistas, como um "Diccionario contemporaneo da língua portugueza" (1881) de Caldas Aulete, ou um "Manual orthographico brasileiro" (1921) de Julio Nogueira, e egualmente poucos têm erudição grecolatina capaz de "reconstituir" a graphia antiga a partir da actual forma phonetizada. Por isso estou preparando um minimanual, que intitulei "Decalogo mattoseano", ou "Promptuario practico do systema etymologico", para synthetizar regras e exemplos, excepções e casos ommissos. Logo disponibilizarei esse breviario. Por emquanto, vamos commentar o que está vigorando.

 

 

 

Dos trez cavallos de batalha na nova reforma (trema, accentos e hyphen), o mais tranquillo é o trema. Concordando ou não, todos sabem onde elle existia e passam a saber que elle deixa de existir. Ponto para o systema etymologico, pois antes de 1943 o trema nunca existira. Typica notação allemã, apparecia somente em adjectivos como "müllereano", mas era extranho ao portuguez. Nem por isso alguem iria pronunciar "linguiça" como "preguiça", nem "tranquillo" como "aquillo". Bastava o costume para orientar o ouvido e a escripta. Nenhum drama, portanto, nesta queda do trema, um signal que jamais deveria ter entrado na lingua.

 

 

 

Ja quanto ao hyphen a porca torce o rabo, e teremos panno para manga. Antes de analysarmos os innumeros casos particulares, comtudo, importa resalvar que a nova reforma até que tentou uniformizar, mas acabou escorregando nos mesmos problemas provocados pela bagunça do systema phonetico arbitrariamente implantado em 1943, que ja fora remendado em 1971. Na raiz de tudo está a incoherencia de qualquer escripta que se pretenda phonetica, contrapondo-se à intransigencia de qualquer escripta que se pretenda etymologica. Vamos destrinchar.

 

 

 

Na briga entre etymologistas e phoneticistas, as consoantes insonoras e geminadas são o maior pomo da discordia. Palavras como o substantivo "penna" e o verbo "annullar" dão bom exemplo. Para os etymologistas (como eu), os dois "NN" de "penna" são fundamentaes para entendermos que a "pena" com um "N" só é dó, emquanto a "penna" com dois "NN" é a antiga canneta. Da mesma forma, "annullar" (tornar nullo) nada tem a ver com o dedo anular (com um "N" e um "L" só), mas para os phoneticistas toda lettra dupla tinha que se reduzir a uma, de modo que as palavras ficassem enxutas e leves. Mesmo sem concordar, eu até entenderia, si o criterio fosse geral. Succedeu, porem, que os próprios reformadores não se entendiam: queriam eliminar o "H" de "humidade" mas não de "humanidade", embora graphassem "deshumanidade" sem "H". Queriam tirar o "H" de "herva" mas não de "herbivoro". Queriam trocar o "X" de "dextra" por "S", mas não tiraram o "X" de "extra". Ou reformassem duma vez, ou deixassem como estava! Ahi veiu o peor: emquanto tiravam lettras dum lado, doutro accrescentavam lettras onde não havia, como um "S" a mais em "antiseptico" ou em "asymmetrico". Que adeanta fazer um buraco para tapar outro? Crearam-se monstrengos como "antissético" e "minissaia", quando o mais logico seria, aqui sim, usar o hyphen. E a estupidez não parava por ahi: alguns prefixos exigiam hyphen, como "auto", mas outros exigiam juxtaposição, como "anti", e tinhamos absurdos como "auto-retrato" coexistindo com "antinazista". Agora chega a nova reforma e altera "microondas" para "micro-ondas" e "auto-retrato" para "autorretrato"! De novo duplicando consoantes que não são duplas!

 

 

 

Ora, a unica finalidade do hyphen seria justamente evitar essa falsa duplicação de "RR" e "SS", alem de proteger o "H" que não quizeram supprimir de "anti-horario". Si fossem realmente phoneticistas, deviam mudar logo para "antiorário", "orário", "umano", "úmido", "erva", mantendo o hyphen em "mini-saia", "auto-retrato", "anti-sético" e "a-simétrico". Só assim o raio do tracinho teria alguma utilidade.

 

 

 

Quanto a mim, que faço em taes casos? O systema etymologico não approxima a escripta da falla, de forma que, dependendo da clareza e do bom senso, cada composto é unido ou separado: "antiseptico", "asymmetrico", "autoretracto", "antinazista", "antisocial", "minisaia", "microondas", "bom senso", "cavallo de batalha", "sacco de gatos"... Era até melhor ter eu escripto "anarcholitterario" (tudo juncto) ou "livre pensador" e "franco atirador" (separado) do que com hyphen, como fiz no primeiro capitulo. O hyphen é, na verdade, um estorvo cujo emprego devia ser restricto ao minimo exigido pela clareza.

 

 

 

Nós, etymologistas, gostamos de lettras a mais? Sim, mas não inventamos lettras, não collocamos lettra a mais onde ella nunca existiu. Jamais escrevo "antisocial" ou "contrasenso" com dois "SS". Si eu fosse phoneticista, usaria o hyphen exactamente nesses casos, para favorecer a pronuncia, e prompto. Antes escrever "asymmetrico" que "assimétrico". Antes "autoretracto" (ou mesmo "auto-retracto") que "autorretrato".

 

 

 

Emquanto a maioria simplesmente segue a nova regra sem questional-a, eu convido meus selectos leitores a reflectir que não são só os poetas que têm liberdade para transgredir, mas todos aquelles que pensam no idioma como um filho adoptivo, e não como um pae auctoritario.

 


sexta-feira, 20 de março de 2009

O Nariz - uma biografia não autorizada de um ditador


Quando nasci ganhei de presente um nariz com personalidade. Era com certeza um azinho-azinho, resultado de azinhos recessivos escondidos no meu pai e na minha mãe. Diferente das ventas avantajadas da família Teixeira e da napa dos Romanos, é curtinho e voltado para cima, do tipo "chove dentro", com um jeitinho petulante. Minha avó portuguesa tinha um parecido e acho que este foi o seu legado.
Descobri cedo que ele não estava ali para facilitar minha vida. Não queria de forma alguma entrar em contato com componentes aéreos estranhos que não fossem oxigênio. Nestes idos morava na Av. Autonomista lá em Osasco, uma via muito movimentada e fabricadora de fuligem. Não deu outra, ele se retraia, tapava as narinas numa alergia que assustou até o notório e saudoso Dr. Pizzelli, único alergista que se empenhou na minha causa perdida. Ele foi profético um dia para minha mãe: "este nariz não tem jeito!"
Mudamos para outro bairro mais arborizado e sem avenidas purulentas. Ele ficou mais afável por uns tempos, não queria ser osasquense talvez. Mas loguinho detectou as fábricas próximas no Jaguaré e vez ou outra reclamava se trancando totalmente. Por causa dele não pude ter bichos de pelúcia, bonequinhas na cama, tapetes no chão, gatos, cortinas, usar perfumes extravagantes. As roupas no armário que saiam para passear no inverno tinha que passar por um longo ritual de banho de sol e lavagens.
Não bastasse impor restrições no meu cotidiano ainda se faz perceber mais que os meus outros traços fisionômicos. Foi responsável também pelo meu apelido de infância. Estava totalmente desarmada quando um menino me falou "Narizinho, passa a borracha". Olhei para o livro que estávamos lendo, "Narizinho", o livro de leitura da 2ª série com historinhas à la Monteiro Lobato. A Narizinho na capa era eu própria retratada. E fiquei "Narizinho" até que mudasse de escola e de bairro.
Tenho impressão que ele tem um quê meio telúrico. Um tipo chegado na natureza e ar puro morando numa pessoa totalmente urbanóide! Estamos sempre em conflito. Só encontramos um pouco de paz no nosso relacionamento quando saio de São Paulo. Ele fica feliz, se abre todo e me permite sentir todos os cheiros, todas as nuances de odor que existem. É até comovente ver como ele se entusiasma e me proporciona momentos olfativos memoráveis.
Nas minhas idas e vindas aos otorrinos constatei que a única forma de lográ-lo é com altas doses de cortisona. Você tem "rinite hipertrófica" vaticinou um dos otorrinos. "E um desvio de septo" para piorar. Mas definitivamente não vou me entregar às drogas só para apaziguá-lo. Nem vou cortá-lo também para endireitar o tal septo. Por mais que ele mereça por todo o sofrimento que me causou.
Hoje minha política é essa: faço tudo o que quero e não me importam mais suas chateações. Sou arquivista, leio livros empoeirados, tenho gatos, ando descalça, lavo o cabelo e saio por aí com ele molhado, respiro a poluição de São Paulo por convicção.
Se ele quiser, que mude para outra cara!

sábado, 7 de março de 2009

Dia das Fêmeas!


Esta gatinha que está aí em cima é minha queridíssima Nina Simone, homônima da cantora que gosto demais. Charmosinha não? Não só uma bela carinha, tem uma esperteza ímpar. Ontem por exemplo ela deu um salto incrível.  Para os gatos em geral isso não é nada demais, mas para a Nina foi um grande momento. Vou contar...
O nosso outro gato, o Leônidas da Silva, é um escalador de primeira. É mais velho que a gatinha e também é  mais experiente em esportes radicais. Quando quer sossego ele pula numas caixas que tenho em cima do arquivo e fica por lá, como que "esnobando" a pequerrucha Nina. Só que ela está crescendo e com muito mais gana do que ele teve quando cresceu um dia. Todo este tempo ela esteve estudando a altura, o esforço que teria que despender de seu corpinho, o ponto de pouso, a posição do pulo. 
De tardinha ela se sentiu preparada e Zaz! Lá estava ela toda faceira no ponto mais alto! Para surpresa do homem e do felino da casa que ficaram olhando embasbacados com a audácia.
Agora ela dorme perto de mim, na escrivaninha, um lugar baixinho. Apesar de já saber como chegar no posto de controle, ela se recusa neste momento a voltar lá. Ficar na escrivaninha é ficar perto de mim e do Léo na exata medida do nosso alcance.E na carinha dela com os olhinhos fechados e a calminha do ronron  tem um quê de "eu posso!"