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sábado, 24 de março de 2012

Crisim dos 7 aos 39

Aos 13 Crisim disse:

"Ontem, ou seja, sábado, começou a aparecer bolhas de catapora. Eram poucas mas já com elas eu sentiria vergonha de ser vista por alguém. Hoje apareceu mais ainda. Elas não coçam mas quando a estouração acabar não mais se poderá dizer: - A minha não coça. Mesmo assim sem coceira perdi alguma coisa, que é a aula de inglês. Perdi uma matéria né, mas acho que posso repor" (1/11/1985)
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"A Regina (esqueci de contar) também pegou catapora. A notícia correu e até a Laci veio ver como a gente estava se sentindo com essa mudança tão brusca na nossa aparência. Começou a coceira hoje e a Débora coitada, não parava um segundo de salpicar talco nas bolhas. A Regina tá bem pior que eu e eu e ela passamos a noite inteira sem dormir por causa da catapora. Eu fiz de tudo, tomei chá de monte o que não deu em nada (2/11/1985)
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"Com esta catapora a gente tem que tomar bastante banho. Esses dias os banhos tomados devem ter trazido pro meu pai uma conta absurda. Não sei como não acabou a água já que a água que vinha as vezes faltava. A vó Alzira, o vô Alfredo e a tia Rita vieram nos visitar e trouxeram doces e salgados do aniversário da tia Regina. Tiraram sarro da nossa cara sarapintada de bolhas" (3/11/1985)
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"A Erika nem ligou, nem veio me visitar por consideração. Creio que se ela estivesse dodói eu não lhe deixaria de fazer um visitinha de cortesia. Bem, mas posso me consolar pensando no livro que o fessorzão Zé mandou para mim por intermédio da Cris e da Andréa. É um livro que muito já ouvi dizerem o nome mas não faço a mínima idéia de que se trata. Seu nome é "Dom Casmurro"de Machado de Assis. Aposto que ele sorteou o meu nome ou me deu por razão a várias coisas que eu fiz" (4/11/1985)
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"É quinta e a semana custa acabar. O diário também custa a acabar. O que é mais torturoso é o tempo que custa a passar e não encontro outra coisa a fazer do que consumir livros de Sherlock Holmes. E pensar que estou perdendo parte da minha adolescência nesta cama, enferma. Cada minuto é precioso. Eu poderia estar fazendo inúmeras coisas..." (5/11/1985)
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"Gozado que quando não podemos fazer nada é que aparece aquela energia concentrada. Creio que como os objetos tenho uma energia potencial dentro de mim que como estando doente e parada ela se acumula, e como nada posso fazer tudo continuará assim. Aposto que quando esta catapora se for não saberei gastar esta energia positiva. Gostaria de entender o porquê mas isso não cabe a mim, e sim as outras pessoas" (6/11/1985)
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"Não fui no inglês e creio que a Salete deve estar botando (?) com estes meus dois lapsos. Mas também eu não estou com condições fisiológicas e uma vaidosa que se preze como eu não vai sair pra qualquer lugar cheia de manchas e berebas. Não posso tomar sol, chuva, vento e o que adiantaria pensar em ir e ficar me culpando por não ter ido. Por causa desta maldita catapora perdi o amigo secreto" (7/11/1985)
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"Hoje é domingo e graças a minha doença eu pude ficar na maior preguiça. Coitada, a mãe deve estar sentindo faltada minha insignificante ajuda. A vó Lurdes e o vô José vieram aqui visitar a gente. Faz tempo que a gente não vai lá na casa deles, mas até que é bom pois lá tem muita poeira e isso me dá alergia. Eles vieram, trouxeram chocolate (coisa que comi com prazer mas não podia)" (8/11/1985)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Crisim is on the table - Last Level

"Gino and Me


When I was younger I used to visit a couple of friends that decided to live a natural life. They had a little farm in Ibiuna and entertained themselves planting organic vegetables and rearing animals. During the weekend I made many rural tasks: feeding the chicken and pigs, planting without knowing what kind of vegetable was planted, milking goats, etc. After I had lived as a happy farmer during two days, I returned to my lovely urban life.
One day, the goats were eating out of the corral and my friends asked me to take care of them, especially the male one. Its name was Gino and it was very majestic with its big horns and long brown pelage. My responsibility was not to let them go to the neighbor’s ground. To look stronger and make the goats afraid, I took a stick. I stayed there completely proud of my superiority controlling my herd. In my veins ran the blood of several Portuguese shepherd ancestors.
However, Gino was a creature with personality. In spite of my autority, it passed the neighbor’s border and started eating some plants. Suddenly, I appeared in front of it and beat my stick on the ground with determination. It put its forward paws going against me with its horns. This reaction took me by surprise. After I could think anything, I shouted “help” as loudly as possible. Luckily it thought I was playing. It wasn’t really angry. When it had noticed I was paralyzed, it stopped and stared waiting for the next movement.
Then, my friends arrived and saw a curious situation: a goat and a human being assessing each other.
After that, our relationship has never been the same. We’ve just stayed closer with a grid protecting us."

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Crônica de uma diabete anunciada


Acredito que cada pessoa tenha internamente uma quota específica para cada coisa que ingere. Alguns tem cadinhos generosos e outros nem tanto. Digo metaforicamente para não cair naquele blablabla sobre genética que todo mundo já sabe. Para grande desgosto meu minha quota para doce era pequena. Se soubessse disso antes teria organizado desde cedo um esquema mais equitativo nas minhas comilanças. Bom...pensando bem... muita organização em orgia tira o tesão, né? E por falar em orgia, a minha compulsão por doces me proporcionou belas e inesquecíveis bacanais calóricos.
Vou lembrar só alguns momentos que me dão água na boca, já que agora em diante dependerei das lembranças e da imaginação para não morrer de tédio dietético. Lembro da minha vó portuguesa servindo bolões enooormes de cenoura para nós, ainda poucas horas depois do almoço de domingo já muito regado com Gini, Guaraná ou Crush. E também do vô portuga que incentivava as netas a meter a mão no baleiro e só ficava satisfeito quando as mãozinhas estavam transbordando de balas (balas Juquinha. Alguém se lembra?) Ah! Tinha também os ovos de páscoa roubados da irmã mais nova que eram sem dúvida muito mais gostosos que os meus, apesar de serem da mesma marca ou tipo. Aliás, roubar doces alheios desenvolveu em mim um instinto de caçadora para descobrir guloseimas escondidas. Já adulta, fiz a loucura de passar uma semana só almoçando sorvete de cupuaçu e creme de bacuri numa viagem em Belém do Pará. Depois desta aventura qualquer coisa que tenha cupuaçu ficou sendo para mim o supra-sumo da delícia.
Meu derradeiro prazer foi um pão de mel com recheio de maracujá. Foi a última coisa vraiment douce que botei na boca, pois no dia seguinte fiz a curva glicêmica que decretou a minha famigerada sentença de diabética forever.
Se seguir a risca a dieta, emagrecer o recomendável pela endocrino, sobreviver às tentações durante a manutenção, virar perita em contagem de carboidratos, tenho chance de ganhar uma condicional por bom comportamento. Se Santa Clara dos Ovos Nevados permitir, vou poder muito esporadicamente (eu prometo doutora!) fazer minhas papilas gustativas alucinarem com uma...Nhá Benta...

sábado, 5 de dezembro de 2009

Crisim dos 7 aos 37


Atendendo a pedidos, continuo publicando até encher o sacolete, meu e dos demais, ok? O que está escrito em branco são observações da Cris-aos-37:


4/12/1983 - Crisim aos 11 anos disse:

"Faltam 21 dias para o Natal. Ontem ganhei o livro "Cinco semanas em balão" de Julio Verne. E sabe da última? Eu fui promovida (hahaha, acho que queria dizer "passei de ano"). Hoje infelismente não pude tomar sol, justo hoje, porque na casa de cima tinha pedreiro e os ccaras não saiam de lá (meu pai comprou uma casa na rua de cima e mandou reformar antes que nos mudássemos). Hoje a Lina (Castelina) faltou e do jeito que ela está andando acho que a minha mãe vai acabar despedindo ela (eu tinha mania de "fiscalizar" empregada. Coisa feia...) E talvez a Dona Maria entre no lugar dela (era a faxineira - esta sim ia ser promovida, hehehe). Ela tá querendo casar com um velho só porque ele tem dinheiro (chegada numa fofoca, hein? Para que novela, né?) O apelido do velho é "mão boba" porque ele põe a mão onde não deve. Antes era o "Paixão", depois o "Pedrão" (não conheço nenhum dos dois. Mas sei que o Pedrão é guarda do Pão de Açúcar). A goiabeira da minha casa já está cheia de goiabinhas que logo, logo amadurecerão e eu vou comer muitas delas (não deve ter dado certo, sempre ficavam bichadas). Ah, e é bem possível que em fevereiro a Laica dê cachorrinhos e nós vamos ficar com um"

sábado, 28 de novembro de 2009

Crisim dos 7 aos 37


Toda menininha tem um diário. Algumas vão de agenda onde registram as suas agruras e lotam de fotos e pequenas relíquias. As rebeldes dizem que não têm, mas guardam lá um caderno que tem para elas um sentido, ou um objeto talvez que simbolize algo muito intrínseco.


Fui muito afeita a coisas singelas: tive diário, colecionei papel de carta, tive paixões platônicas, curti fossa, e muitas pieguices mais. Não vejo problema algum e não coro nem um pouco em contar sobre essas coisinhas. E aproveitando o trocadilho, não faço coro com um povo metido a resolvido que tira um sarro desses acessos de ternura. A gente tem que se lembrar que foi inocente um dia para ter salvação como ser humano.


Vou mostrar um pouco aquela Crisim cuti-cuti, CDF e tímida que fui. Compartilho com os curiosos e amigos chegados alguns trechos do diário dela. Vejam bem, isto é um privilégio, pois ela jurou furar os olhos de quem bisbilhotasse (sorte das irmãs que conseguiram ler escondido, hehehe). A cúmplice mais velha, a Crisim dos 37 mal-cumpridos, conseguiu convencê-la que agora não há problema algum. Mesmo porque todo mundo que escreve um diário quer que ele seja lido um dia...


As anotações em branco são minhas, atuais:


28/11/1985 - Crisim aos 13 diz:

"Comprei dois cadernos (caderno para os amigos deixarem recadinhos e lembranças) e de nada adiantou, pois não teve aula hoje. Apenas a Erika escreveu no caderno (ô tristeza, que menina solitária. Ainda bem que tem a melhor amiga para salvá-la). Bem, então fica para depois, ou seja, pro outro ano. Dudu afirmou que iria entrar no ITO (Dudu, paixãozinha que eu tinha na sala de aula e ITO era o colégio que ia estudar no ano seguinte) então não temo nada acerca deste assunto. Mas se ele não passar no teste? Bem, acho que isso não acontecerá. Satisfaço-me interiormente sabendo que a Priscila e o pessoal do ARCHI (Architiclino Santos, vulgo Verdão, onde estudava) vai para o ITO, então não ficarei tão só assim"


10/o9/1986 - Crisim aos 14 diz (não tinha mês de novembro...):

"Ocha, a quanto tempo que não escrevo, ein (sic)? Hoje teve jogo na nossa escola contra um outro time lá do Independência. Por causa disso a classe toda não foi na escola. Aproveitando o momento eu e a C. fomos na casa do C. assistir vídeo-cassete. Assistimos dois vídeos Desejo de Matar 1 e 2. Depois fomos numa sorveteria e tomamos sorvete. "Vortemos" de novo para a casa do C. e improvisamos um bailinho legal. Eu dancei com o R. (ele dança bem, tem um molejo!) e com o C. O R. como eu disse dança bem pra caramba. Já o C. é duro e sem ritmo. Se você aperta mais um pouquinho ele, você sente ele tremer (ops!). Ouvi até a respiração dele. Teve uma hora que ele começou a manquejar (Jesus, cadê a mãe desta menina?Algum adulto por ai pelamordedeus) Ele então desculpou, dizendo que tinha torcido o pé aquela manhã (ahã, sei...). O R. e a C. estão namorando. Deram um monte de malhos um no outro (e a Crisim deve ter ficado a ver navios...). O que mais me deixou contente foi o fato do R. dizer que eu danço bem (nem tudo estava perdido...). É difícil ouvir um elogio vindo dele, ainda mais um elogio sincero (demorei para aprender o que era sinceridade...). Eu muito humilde expliquei que eu fiz jazz (modéstia não era a melhor das minhas qualidades, bem se vê). Ai ele começou a zoar dizendo que faz balé. Eu e a C. estamos pensando em reprisar este baile, só que convidando mais gente (boa idéia Cris!). Seria legal a beça. O R. disse que heavy metal é música de orangotanto (hahaha, isto sim é sinceridade!) Ah é, seu R., vou levar vocês para minha casa e aí vou mostrar o que é bom! (que vai fazer, colocar um heavy metal para ele?)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A filha pródiga - Revival da Crisim com a Mãe-USP



O universo conspirou a meu favor e me garantiu dois dias longe da minha senzala em prol de uma causa prática. Simplificando: fui fazer um curso para arquivistas. Algo que não vou esmiuçar por ser muito específico e chato para os não entendidos.
O curso em questão foi no prédio da História, na USP, e falar em "universo conspirando" não é gratuito. Apesar do meu agnosticismo convicto, tudo me pareceu meio cíclico e místico desde que coloquei meus pés por lá hoje de manhã. Saí da História há 13 anos deixando para trás a minha vida de estudante para decidir ser uma outra Cris que nem sabia o que viria a ser. Voltei hoje, não tão certa do que sou, mas com alguns rótulos prontos para me identificar no mundo.
Subi a rampa em direção às salas com um nó na garganta, o primeiro de vários que iria ter ao longo do dia. Ir e vir nos corredores, no pátio, no Espaço Aquário, na lanchonete, no banheiro e por aí vai, ligou em mim uma espécie de "piloto automático". Uma familiaridade e uma nostalgia foram tomando conta. Quantas vezes eu não havia feito estes mesmos trajetos sem que tivessem nenhum significado? Agora tudo parecia tão cheio de sentido, me remetiam a tantas coisas que vivenciei... Por exemplo, senti sede e quis beber água. Meus instintos me levaram ao local certo do bebedouro sem eu nem ao menos perceber isso. E zanzando pela FFLCH me dei conta que trilhei os mesmos caminhos que fazia antes, fugi dos mesmos pequenos obstáculos que já conhecia.
Ao longo dessa redescoberta fui me empolgando em querer reviver outras coisas que eram tão comuns e sacais no meu tempo de universitária, mas que agora pareciam fazer uma falta tremenda. Pra começar, tentei "bandejar". Nunca que iria imaginar que pudesse sentir saudades do Bandejão Central. Aquela comidinha com salitre que dava uma sensação de empazinamento, aquela acelga odiosa, aquele leite esquisito entre uma garfada e outra, quem diria, eram agora muito convidativos. Qual nada, o funcionário me informou que os não-estudantes têm que ter uma autorização para garfar por lá! Coisas do COSEAS, famigerado COSEAS!!! Vamos invadir o bandeijão! Alguém lembra desta investida revolucíonária?!
Tive que me contentar com a antiga lanchonete do Português, que diga-se de passagem, serviria bem como revival gastronômico. Por lá curei rápido minha frustração de "sem-bandeijão" ao orelhar uma conversa alheia bem uspiana. Ouvi as palavras "propedêutica" e "epistemológico". Quase tive um orgasmo mental na hora em que estava engolindo meu almoço. "Propedêutica" nem era tão orgiástica, mas "epistemológico"pegou fundo. Foi uma das primeiras palavras que tive que tentar entender quando era caloura... Se os caras conversando na mesa ao lado tivessem intenção de me passar uma cantada com certeza teriam me conquistado facinho. Era só sussurrar no meu ouvido "epistemolóóógico", hehehe...
Na hora de escovar os dentes, outro momento muito familiar: eis que entra uma garota correndo e vai vomitar. Fiquei tão fascinada de rever esta cena escatológica que até fui mal educada e esqueci de perguntar se ela precisava de ajuda. Quantas vezes vi gente no banheiro vomitando em dia de festa! Ainda mais nas famosas festas da História, com tanta cerveja rolando...
Ao mesmo tempo foi me pintando uma estranheza. Algumas coisas pareciam fora do lugar. Claro, o espaço que era quase uma extensão da minha própria casa agora não era mais o mesmo. E pior, não era mais meu. Não fazia mais parte da minha vida. Então junto com minhas percepções de reconhecimento do que parecia ser "o mesmo" fui reparando também no que "não era mais". E me dar conta disso foi bem doloroso. O que me reconfortou foi ver algumas coisas "no lugar", como o xerox do Seu Luis lá no Espaço Aquário. Ele existia antes da minha chegada em 1990 e ainda existe para todo o sempre. Curiosamente, o filho do Seu Luis é a cópia do próprio Seu Luis! Aumentando meu alívio, reparei num grupinho no Morro dos Delírios sentado em círculo, fazendo algo que nem preciso dizer o que, como era de se esperar. Indabem!
Por fim, me senti totalmente reconfortada quando encontrei firmes e fortes no reduto alguns antigos amigos. Estava preparada psicologicamente para o que seria mais doído na minha ida à História: não encontrar ninguém. Por ser tão inesperado foi o ápice das emoções deste pequeno-grande dia. Fiquei feliz no final das contas em constatar que apesar do espaço não fazer mais parte da minha vivência, pessoas que conheço e que ainda o frequentam me parecem um pouco representantes de mim, como que dizendo "A Cris não está aqui, mas estou por ela".

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Sou pedestre, e daí?


Todo mundo nasce pedestre mas se esquece disso quando vira motorista. Talvez seja por isso que exista tanta prepotência dos motoristas com os pedestres quando disputam espaço na pista. Eles sempre acham que são "preferenciais" e esperam impacientes os pedestres atravessando na faixa. Há quem acelere os motores para o pedestre acelerar os passos. Há aqueles que sempre param em cima da faixa. Salvo uns e outros que gentilmente acenam para nós pedestres atravessarmos ou que dão seta para entrar e não nos deixam naquele vai-não-vai antes de por os pés fora da calçada.
Sou pedestre com muito orgulho e meu mundo é a calçada. Vou persistindo nesta condição enquanto moro perto do serviço e tenho facilidades de transporte com ônibus e metrô nos arredores do meu mocó.
Não pensem que é fácil. Como sou a única da minha família a não pertencer à espécie dos motoristas e tenho muitos amigos motorizados, sofro certa pressão: "quando é que você vai comprar um carro?" ou "você ainda não tirou carta!". Para despistar cheguei a fazer algumas promessas públicas do tipo "vou tirar carteira este ano". Claro que não cumpri. É uma questão de honra não cumprir e desapontar todo mundo.
Nem sempre fui tão convicta. Quando era criança tinha minha calói e vivia muito feliz com ela. Poderia ter me tornado ciclista e garantir uma saúde extra. Só que depois de grande peguei uma insegurança de pedalar entre carros. Constatei isso quando fui visitar minha irmã na praia e resolvi dar um passeio de bicicleta com meu sobrinho na garupa. Tremia em cima da bicicleta como se fosse uma iniciante.
Com carro também já aconteceram algumas tentativas de aprender. Um namorado da adolescência chegou a me ensinar umas coisinhas. Acho que me deixei ensinar só para agradá-lo. Minhas irmãs um dia me colocaram no volante numa praia vazia e se divertiram com minhas barberagens na areia. Outra vez  em Carmo de Rio Claro assustei uns mineiros que estavam numa praça quando adentrei o gramado com um possante fusca. São estas as únicas lembranças que tenho ao volante.
Recentemente alimentei um desejo de ser motoqueira. Comprei uma Vespa linda, preta, com visor parecendo aquele seriado "Chips". Me imaginava saindo por aí pilotando pelo mundo bem "easy rider" com a musiquinha "born to be wild" na cabeça. Pura maluquice imaginativa! Fui procurar como aprender e me desanimei. Teria que aprender a pilotar uma moto convencional, tirar a carta e daí finalmente aprender a pilotar a vespa. E a bichinha é possante, não é nenhuma mobilete. Minha imaginação começou a produzir imagens mais sombrias, eu estatelada no chão com ossinhos quebrados. Não, não, não. Prefiro meu ponto de equilíbrio bem fincado nos meus pezinhos calejados. E a Vespa, que fim levou? Está lá na garagem ocupando espaço.
Por fim, para demonstrar minha total inaptidão com o universo automobilístico confesso aqui a minha incapacidade de reconhecer carros. Vendo um carro desses modernos não sei dizer de que marca é. Se um dia precisarem de mim como testemunha de acidente só saberei dizer "era um carro de tal cor...". Só reconheço carros das décadas de 80/90: gol, galaxy, fusca, belina, brasília, maverick...
Acho então que meu caso é simples assim. Não tenho medo de volante, não tenho disposição para aprender, não tenho entusiasmo. Todo o meu DNA de pedestre pulsa dentro de mim me impedindo de cooptar com este mundo dominado pelas quatro rodas. E pensando bem, a cidade não precisa de mim como mais uma motorista a atormentar neste trânsito caótico.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Meu dia de metaleira


Quem leu o meu desabafo de metaleira de meia-tigela de novembro do ano passado, sabe da culpa que carrego de não ter visto o megashow do Iron Maiden quando ele aconteceu bem aqui do lado de casa. Para provocar ainda mais minha consciência eles resolveram se apresentar de novo só que lááááá em Interlagos. Não fui e fiquei me remoendo por dentro.


Angariando uma absolvição resolvi fazer uma penitência leve : fui assistir a estréia do documentário "Iron Maiden Flight 666". Foi uma sessão de cinema só para iniciados, com pouca divulgação na imprensa. A sessão foi dia 20 para 21, meia-noite e um minuto exatamente. Não entendi porque não fizeram a tal sessão em "Two minutes to midnight" como na música. Será que pensaram que seria óbvio demais? Ou então três da madruga que segundo dizem é a hora do capeta...


Conjecturas a parte vim aqui contar que valeu muito a pena. Nunca uma penitência foi tão prazeirosa. Passando o serviço: um dos diretores é o mesmo que fez "Metal", Sam Dunn, um canadense fanático e bastante competente por sinal . O sortudo viajou com o Iron Maiden durante a turnê Somewhere Back in Time (a mesma que incluiu São Paulo e tive o desgosto de perder a oportunidade de ter ido) e registrou tudo. O filme é bem equilibrado, sem show demais, sem piadinhas demais, sem bastidores demais. O termômetro de como o filme fluiu bem é o meu Zezim, que me acompanhou resignadamente e mesmo sem ser metaleiro, nem roqueiro, nem encaixar em nenhum rótulo de aficcionado, conseguiu assistir o filme inteirinho sem se chatear e ainda saiu do cinema dizendo ter gostado da experiência.


E tive a oportunidade de sentir meu coraçãozinho bater forte num revival amoroso. Aqui eu faço uma revelação: fui completamente apaixonada pelo baixista Steve Harris. Antes de dormir meu sono de adolescente ficava olhando para a cara dele na foto do pôster na parede do meu quarto. Agora ele está tiozinho da Sukita, com filhas crescidas e tudo, mas ainda arranca uns suspiros do público feminino. É tímido e reservado, fazendo o tipo "sensível" e "criativo" do grupo. Se é que fazer músicas de heavy metal possa qualificar alguém de "sensível", hehehe.


Apesar das minhas tendências afetivas juvenis, me liguei num outro personagem da banda. Quem rouba a cena totalmente não é o vocalista Bruce Dickinson, que no show e pilotando o avião impressiona com sua hiperatividade. É Nicko McBrain que cativa a gente. O baterista feioso com pinta de boxeur a quem nunca dei trela é uma simpatia só. E cheio de piadinhas e sacadas, todas sem forçar a barra. Um barato!


Bom, papo de afficionado enche, né? Vou parando por aqui...


Fica aqui o link do trailer para quem quiser conferir.


E para terminar: dizem que vão lançar o DVD em maio. Para quem não sabe, meu aniversário é em junho, viu?


domingo, 5 de abril de 2009

Mais um dia de "quase"

Quantas coisas na vida a gente fica em vias de desfrutar e fica por pouco para chegar lá. São meias derrotas ou então vitórias pela metade. A gente se concentra para gozar a plenitude da satisfação, mas um detalhinho impede. A vozinha interna termina te consolando "tente novamente mais tarde..."
Lusa x Marília: jogo e tempo auspicioso. Dupla em take da globis

Me lembro no ginásio o inferno matemático em que vivi. Nunca tirei um dez. Um dia me dediquei ao extremo e senti antes de entregar a provinha nas mãos da carrasca que desta vez era a minha vez. Não levei em conta que aquela mulher tinha um tino matemático tão exarcebado que um errinho descontado não fazia da minha prova um dez. Nove vírgula setenta e cinco é novevírgulasetentaecinco. Não pode ser um dez. No máximo na escala de gradação alfabética que as escolas adotavam naquela época era um "B+". Ai que ódio que tenho do "B+"! Tucanaram meu "A" !!!
Bom, voltando das minhas reminiscências cedeéfísticas, vim aqui para falar de futebol.
A Lusinha vinha embalando no Paulistão de uma forma muito promissora. Resolvi dar um voto de confiança e me dedicar a torcer com mais dedicação. Fui então no domingo passado prestigiar Lusa x Marília. Testemunhei um 4x1 e me enchi de esperança. Fui até trabalhar no dia seguinte com a camisa do time e assumindo para todo mundo a minha condição lusófona. Ainda por cima, para coroar nosso entusiasmo, um câmera reparou na gente e eu e Zé fomos aparecer na Globo totalmente de improviso, em um take numa matéria do Globo Esporte.
No meio da semana veio o tal "detalhinho": tomamos um gol do Kléber Pereira na Vila Belmiro. Justo o adversário que disputa a vaga para a semifinal. Mas as chances ainda existiam. Estava com medo de acontecer uma fatídica situação matemática, porque sempre a matemática me persegue, Santos e Lusa ganhando no último jogo e empatando no saldo de gols. Como iríamos fazer? Tirar no palitinho? Mal sabia eu que ia ser pior...
Lusa x Santo André: mau augúrio e nuvens nefastas. Dois "pintos" em capas de chuva

Neste jogo decisivo de hoje contra o Santo André tudo foi divino-maravilhoso: tascamos dois gols no primeiro tempo, xingamos o Marcelinho Carioca e ainda vimos com satisfação ele sair substituído, ele cobrou falta e não converteu, a Ponte virou o jogo contra o Santos, o goleirão Fábio defendeu como ninguém. E a gente dentro de capas de chuva transparentes, como pintos em camisinhas, pulando e vibrando nas arquibancadas. São Pedro improvisou uma chuva para acalmar a excitação, mas não tinha dilúvio que aquietasse o facho. Lá no "quase" fim de segundo tempo o Santos reagiu e marcou mais dois, finalizando a conta em três. Me corrijam se eu estiver errada nas contas (o que não é nenhuma novidade para mim...): isso significa que precisaríamos de uma goleada de cinco gols em cima do Santo André... (errata: depois de discussões futebolísticas e matémáticas acaloradas minha conta foi consertada: precisava só de mais um gol. Não disse que podia ser pior?É a tirania do quase!!!!)
Saímos todos sob um pé d'água federal, cabisbaixos, uma frustração só. No taxi de volta para casa o radialista numa rádio felicitava a torcida da Lusa pelo empenho e pela saída do estádio sem incidentes. Poxa, queriam o quê? Foram oitenta e cinco minutos de alegria para terminar numa broxada gigantesca.
Só sei de uma coisa: a equação futebol+matemática+sexo não funciona. Nem mesmo neste desabafo...

sexta-feira, 20 de março de 2009

O Nariz - uma biografia não autorizada de um ditador


Quando nasci ganhei de presente um nariz com personalidade. Era com certeza um azinho-azinho, resultado de azinhos recessivos escondidos no meu pai e na minha mãe. Diferente das ventas avantajadas da família Teixeira e da napa dos Romanos, é curtinho e voltado para cima, do tipo "chove dentro", com um jeitinho petulante. Minha avó portuguesa tinha um parecido e acho que este foi o seu legado.
Descobri cedo que ele não estava ali para facilitar minha vida. Não queria de forma alguma entrar em contato com componentes aéreos estranhos que não fossem oxigênio. Nestes idos morava na Av. Autonomista lá em Osasco, uma via muito movimentada e fabricadora de fuligem. Não deu outra, ele se retraia, tapava as narinas numa alergia que assustou até o notório e saudoso Dr. Pizzelli, único alergista que se empenhou na minha causa perdida. Ele foi profético um dia para minha mãe: "este nariz não tem jeito!"
Mudamos para outro bairro mais arborizado e sem avenidas purulentas. Ele ficou mais afável por uns tempos, não queria ser osasquense talvez. Mas loguinho detectou as fábricas próximas no Jaguaré e vez ou outra reclamava se trancando totalmente. Por causa dele não pude ter bichos de pelúcia, bonequinhas na cama, tapetes no chão, gatos, cortinas, usar perfumes extravagantes. As roupas no armário que saiam para passear no inverno tinha que passar por um longo ritual de banho de sol e lavagens.
Não bastasse impor restrições no meu cotidiano ainda se faz perceber mais que os meus outros traços fisionômicos. Foi responsável também pelo meu apelido de infância. Estava totalmente desarmada quando um menino me falou "Narizinho, passa a borracha". Olhei para o livro que estávamos lendo, "Narizinho", o livro de leitura da 2ª série com historinhas à la Monteiro Lobato. A Narizinho na capa era eu própria retratada. E fiquei "Narizinho" até que mudasse de escola e de bairro.
Tenho impressão que ele tem um quê meio telúrico. Um tipo chegado na natureza e ar puro morando numa pessoa totalmente urbanóide! Estamos sempre em conflito. Só encontramos um pouco de paz no nosso relacionamento quando saio de São Paulo. Ele fica feliz, se abre todo e me permite sentir todos os cheiros, todas as nuances de odor que existem. É até comovente ver como ele se entusiasma e me proporciona momentos olfativos memoráveis.
Nas minhas idas e vindas aos otorrinos constatei que a única forma de lográ-lo é com altas doses de cortisona. Você tem "rinite hipertrófica" vaticinou um dos otorrinos. "E um desvio de septo" para piorar. Mas definitivamente não vou me entregar às drogas só para apaziguá-lo. Nem vou cortá-lo também para endireitar o tal septo. Por mais que ele mereça por todo o sofrimento que me causou.
Hoje minha política é essa: faço tudo o que quero e não me importam mais suas chateações. Sou arquivista, leio livros empoeirados, tenho gatos, ando descalça, lavo o cabelo e saio por aí com ele molhado, respiro a poluição de São Paulo por convicção.
Se ele quiser, que mude para outra cara!

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Livro livre


Tenho perdida na minha memória uma conversa com um amigo sobre livros. Ele precisava ler o livro "A Era dos Extremos" do Hobsbawn para o mestrado e ia pedir emprestado. Até aí tudo bem. Descobri que ele tomava emprestado todos os livros que queria ler, comprava muito pouco. Não que não tivesse condições de tê-los ou que fosse sovina, era um posicionamento próprio. Fiquei surpresa com as idéias dele justamente porque me vi seguindo uma premissa totalmente contrária. Sou muito apegada aos meus livros, ponho nome na página de rosto, sei a posição deles na estante, quando empresto é com muito receio e quase chorando e agitando o lencinho na despedida. Nunca mais esqueci a frase que ele me disse "ter o livro com você não garante que você tenha o conteúdo para si". Segundo ele, a não ser que eu vá revisitar o livro várias vezes, tê-lo comigo guardado é totalmente inútil. O livro existe para ser lido e ponto final.


Trabalhei em biblioteca, fui convivendo com livros "públicos" por assim dizer e constatando como é importante este tipo de pensamento. Depois por conta própria inventei uma bibliotequinha no serviço com um sistema de empréstimos bem simples. Usei meus próprios livros neste acervo. Penso que desta forma ajudo os demais a lerem mais, mas no final das contas estou ajudando a mim mesma a praticar o autodesprendimento e por em prática a idéia do livro livre.


Quando já estava bem sossegada e achando que já tinha contribuído o suficiente para um mundo mais leitor e uma Cris menos possessiva e egoísta, eis que surge uma novidade embasbacante. Estive na Casa das Rosas no aniversário de Sampa como já havia contado no texto anterior. Por lá estavam distribuindo livros de um movimento chamado "bookcrossing". Na capa dos livros estava escrito "Não estou perdido... Sou um livro livre!". E no interior um texto que me emocionou de tão fundo que pegou em mim: "Sou um livro muito especial. Viajo ao redor do mundo em busca de novos leitores. Espero ter encontrado mais um em você. Por favor, vá até www.bookcrossing.com, entre com o número BCID abaixo e deixe uma breve nota. Descobrirá onde estive, quem me registrou e meus leitores anteriores saberão que estou seguro em suas mãos. Depois ajude-me a realizar um sonho: leia-me e liberte-me!"


A proposta é muito simples. O livro é colocado em lugares públicos para um curioso e leitor em potencial descobrí-lo. Cada livro tem um registro no site e espera-se que os leitores que o acharam dêem satisfação dele no momento em que tomaram posse ou quando vão deixá-lo para o próximo felizardo. Quem quiser ir mais fundo nesta filosofia pode inscrever-se como membro e botar livros para circular. O site dá todo o suporte para você realizar a façanha, desde uma espécie de estante virtual dos seus livros libertados até modelos de etiquetas e cartazes de divulgação.


Nem preciso dizer que fiquei viajando na idéia: o mundo virar uma grande biblioteca! E melhor, o livro é que te acha e não você! Mais ainda: a experiência de compartilhar. Não é emocionante? Ah, eu precisava fazer parte disso! Já me tornei membro e comecei a escolher alguns filhos de papel para entregar para o mundo. É um processo doloroso para a mãezona aqui, mas totalmente transcendente. Quando atingir o nirvana eu aviso, tá?


O evento bookcrossing na Casa das Rosas foi registrado em documentário:



O bookcrossing no mundo:


Em Portugal



Na França:



Na Grécia:



Na Alemanha:

domingo, 16 de novembro de 2008

Mea culpa de uma metaleira de meia tigela

ESTE TEXTO POSTEI NO MULTIPLY - QUEM JÁ LEU NÃO PERCA TEMPO...
Já que a culpa de não ir a shows de rock está latente, achei oportuno relançá-lo...

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Se o meu eu de quinze anos atrás soubesse o que me tornaria hoje o que pensaria? Hoje tive claro que o sentimento de frustração seria o mais latente naquela Cris que fui.
A Dama de Ferro veio aqui várias vezes e eu tive sempre justificativas bem palpáveis para não vê-la: minoridade, pai bravo, mãe temerosa, dependência econômica e a certeza que a grana para o show nunca seria dada para tais fins. Agora ela chega aos meus ouvidos pela minha varanda por ter o privilégio de morar próximo do Parque Antártica e de ter um show rolando por lá com trocentos megawatts de potência e um público irado cantando todas as músicas. Me postei na varanda para não perder a oportunidade de um dia ouvir o Iron Maiden. Curiosamente eu não estava sozinha, outros expectadores-de-ouvido estavam nas janelas e varandas. Acho que todos estavam vivenciando flashbacks parecidos ao que eu estava tendo na minha cabeça...
Tudo começou com uma galerinha metaleira interessante no meu bairro onde morei na infância e adolescência. Por proximidade e nem tanto por amizade, pude tomar conhecimento do que era o tal de "Iron Maiden". E aquela molecada cabeluda e de preto era muito atraente aos meus olhos de adolescente. Não deu outra, comecei a me considerar parte do movimento dos headbangers, apesar de ter medo de fazer o movimento cervical característico e terminar com um baita de um torcicolo. Tinha uma certa inibição de assumir e passei por esta fase sem o uniforme básico: o cabelão e o pretinho básico. Ninguém notou a mudança da "Cris Metaleira". Minha fama de CDF era forte e eu não sabia direito como conformar as duas correntes de visual e atitude.
A adoração tomou corpo quando ganhei do meu tio roqueiro um álbum duplo e um quadro cheio de recortes da banda. Foi o presente mais intenso que recebi na minha vida. Ficava horas ouvindo e reouvindo uma fitinha com o the best of do Iron Maiden no toca fitas do carro da minha mãe (era esta a minha estratégia para não ferir os ouvidos sensíveis da família).
Com o tempo fui ficando mais ousada, colando pôsters no quarto, para horror do meu pai que nem passava na porta para não ver aqueles homens todos na parede, de calças agarradas com os membros volumosos muito perceptíveis, olhando para sua filhinha. E eu dormia suspirando e enlevada, com os olhos grudados no Steve Harris.
Quando vieram para o Rock in Rio lá estava eu de plantão na sala sozinha assistindo e esperando que meu pai não cortasse o meu barato sob algum tipo de ameaça paternal e fizesse valer as regras da casa de dormir cedo.
De pé na minha varanda fiquei a pensar quais desculpas eu daria para aquela garota. Como ela entenderia que apesar de agora estar na condição de assalariada, independente e adulta, sem pai castrador e ainda morando perto do local do show, não estou lá entre os 37.000 felizardos?

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

"Reminiscências de uma não-dona de casa" ou "Manifesto de uma vagal convicta"


Espero que minha mãe não leia este texto. Não que me falte coragem de assumir minha condição para a pessoa que me criou. Não se trata disso. Ela até se auto-intitula responsável pela minha completa falta de jeito para as coisas domésticas. Só não aguentaria ver a tal condição desfraldada a quatro ventos e alguém ainda cogitando que ela não me educou direito. Toda a teoria e prática das ciências domésticas me foram repassadas. Mas paradoxalmente dizia revoltada "Quando você crescer não vai ser como eu, vai trabalhar, não vai ficar limpando casa". Não lembro de nada disso, ela é quem lembra. Se interiorizei esta mensagem ou se já carregava no meu DNA, eu não sei. Só sei que desde que me conheço por gente tenho um sofrimento quase ancestral quando boto as mãos numa louça. Cada tarefa levava horas intermináveis com tantas interrupções, tantas divagações, idas para o banheiro, olhadas na tevê ligada, e o bordão da minha mãe martelando na minha orelha "Ainda não terminou?"Eram e ainda são projetos fadados ao fracasso. Ainda hoje qualquer serviço doméstico começado não tem garantias de que será terminado. E para passar por eles sem traumas crio sistemas malucos como lavar de dez em dez, começar de baixo para cima e vice-versa, fazer por empreitada durante os intervalos na tevê ou entre cada capítulo de um livro, separar por categoria, e por aí vai. Teve uma ocasião que quase encontrei um método bom de levar adiante um serviço:fazê-lo ouvindo um áudio-book. O problema é que a atenção fica voltada para o enredo da história e não para o que minhas mãos estão fazendo...
Dizendo assim parece que a canhestrice doméstica é inconsciente. Não é. Não faço e não me submeto a fazer quando o esperado de mim é para que eu faça. Claro que em situações coletivas sou solidária e colaboro na limpeza. Mas quando o coletivo já vem viciado, já estão lá os homens na rodinha do futebol e as mulheres se cotizando para a lavação e a arrumação, estou fora. É sempre a mesma cena muito deprimente. Por mais que os homens estejam de boa vontade para qualquer coisa, eles não se ligam nunca que uma hora têm que arregaçar as mangas. Meio que inconscientemente as mulheres vão se organizando e em pouco tempo está tudo arrumado e limpo, sem que eles notem. Lastimável. Alguém poderia otimistamente exaltar a capacidade agregadora, acolhedora e solidária da mulherada. Morra seu alienado!!! Tem dó não de sua mãe e irmãs?
Mesmo que homens e mulheres interajam no mesmo espaço, divertindo, trabalhando, etc, ao final do dia podicrê, vai ter uma coitada que vai arrumar tudo...
Não estou defendendo a instituição da bagunça total e sem limites. Só gostaria que os olhos se abrissem para a imposição tautológica de papéis. Esta lenga-lenga que estou dizendo já é velha, bem sei, mas se não fosse necessária ainda não estaríamos repetindo tantas e tantas vezes, não é?

sábado, 1 de novembro de 2008

Dilema Futebolístico

Eu tenho dois times. O Azulão e a Lusa. A Lusa foi uma ternura inesperada que me percebi sentindo desde que meu pai morreu. E concomitantemente também fui perdendo minha ojeriza pelas coisas portuguesas. Salvo "el bigodon" portuga que meus ancestrais me deixaram, aiai. O Azulão foi de acompanhar o Paulista de 2004, ver matérias sobre ele, principalmente sobre os bengalas azuis. Tanto é que fui ver a final de perto.
É muito fácil ter um time próprio para alguém que nasceu num ambiente em que torcer para algum time é uma coisa muito natural e já esperada por todos. Para mim, apesar do meu pai ter sido um torcedor fanático, futebol era algo do universo masculino adulto. Futebol era para o meu pai e para os amigos dele, não era para o meu bico. E eu também nem fazia questão porque afinal eram tantas coisas que eu tinha que me submeter por causa do patriarcado autoritário e machista que ele impunha, que não gostar de futebol era até um ato de rebeldia ou de auto afirmação. Estava no pacote de não gostar de tremoço, de bacalhau, de fado, do Roberto Leal, de Portugal, de conscientemente não conhecer o parentada das Oropa.
Daí meu pai foi-se. E eu que tinha feito as pazes com ele e com tudo o que lhe dizia respeito, vi perder o sentido a minha lusofobia. Foi então que a Lusa despontou.
Quando cheguei no canal de esportes mergulhei num mundo inteiramente novo para mim. Foi um mergulho de apnéia e eu acredito até que bati vários recordes de resistência e auto-superação. Pensei várias vezes que não ia sobreviver, mas consegui. Agora não faço feio em rodinhas onde o papo futebolístico impera, apesar de vez ou outra ter que defrontar ainda um despeito masculino. Mas não é merito só meu, é de tantas outras que vem quebrando estes limites. Não é por acaso que temos uma Soninha debatendo sobre futebol, e uma 6º elementa no Rock Gol. E cada vez mais se pode ver umas carinhas femininas nas arquibancadas, e elas nem parecem estar acorrentadas e terem sido forçadas por seus pais e namorados para estarem ali.
Com o contato cotidiano com este ambiente fui me acostumando, aprendendo e gostando. E minha tendência simpática aos desesperados e oprimidos se manifestando numa torcida velada pelos times pequenos. Foi aí que o São Caetano despontou.
Tem por aí ums monogâmicos de plantão que se horrorizam. E vem com aquele argumento chato e clichê de que gostar de mais de um time é falta de opinião. Time tem que se ter um só e para todo o sempre. Por que não se ter dois? Por que não se ter um, se desgostar e mudar para outro, como no divórcio? Para mim esse tipo de coisa soa quase como um moralismo. Bem, de qualquer forma as coisas no futebol andam meio retrógradas mesmo, a cartolagem ainda impera impune, o Estatuto do Torcedor com quem cumprindo quem quer, contratos de compra e venda sem acompanhamento do Banco Central...
O único empecilho de gozar plenamente os dois amores: quando os dois entram em campo...